O texto é longo. E é duro. Exatamente como é a situação a que se reporta: dura, triste, inconsequente. Fica o alerta: "É necessário que venham escândalos; mas, ai do homem por quem o escândalo venha". E também a esperança, afinal, o Espiritismo triunfará contra todos os obstáculos. "Terá, no entanto, que sustentar grandes lutas, mais contra o interesse, do que contra a convicção, porquanto não há como dissimular a existência de pessoas interessadas em combatê-lo, umas por amor-próprio, outras por causas inteiramente materiais. Porém, como virão a ficar insulados, seus contraditores se sentirão forçados a pensar como os demais, sob pena de se tornarem ridículos.” (O Livro dos Espíritos, item 798). O texto é do jornalista Luciano dos Anjos.
Da fantasia dos fatos
Depois de longa exposição, análise e conclusões da crise da década de 60, que engolfou o mundo e, na esteira, o movimento espírita, dei como explicadas todas as razões da perversa acusação contra o médium Divaldo Pereira Franco. Diante de tudo o que eu então recordava enquanto ia restabelecendo a verdade dos fatos, deveria o assunto ter sido encerrado. Contudo, conhecendo bem as disputas entre o bem e o mal, não pude deixar de admitir a hipótese de uma recidiva louca. As Trevas são muito criativas. Deixei, pois, escrito, no último capítulo de A Anti-História das Mensagens Co-piadas, o seguinte parágrafo (pp. 199/200):
Portanto, nem há mais aquele clima de convulsão para alimentar novas crises, pelo menos por enquanto. Assim, é hora de encerrar a inglória celeuma das mensagens co-piadas! O espiritismo, que era o grande alvo, não soçobrou. As Trevas sofreram nova derrota. Provisória, é claro, porquanto a História continua a ser escrita e nada nem ninguém está fora dela. O Mal não costuma desistir tão facilmente. Vai revestir novas tentações e novas tentativas para nos desviar da rota. Mas, por ora, desde que plantada a verdadeira fraternidade na seara espírita, esses embaixadores cavernosos estarão bem mais anemizados como vampiros perdidos em campo de hortaliças. No meu justificado júbilo transcrevo a seguir a palavra do Cristo e de mais dois missionários, a qual valerá, assim espero, de advertência e principalmente de conclamação à paz e à consagração teleológica da beleza da História, com a absorvência definitiva desse maligno segmento tumoral da Anti-História do espiritismo.
Bem, não demorou muito. Primeiramente, caiu em minhas mãos o mais recente livro do “médium” Carlos Antônio Baccelli: 100 Anos de Chico Xavier – Fenômeno Humano e Mediúnico, acrescido da epígrafe “em sua biografia mais completa” (Edições Pedro Paulo, Uberaba, 2010). Depois, o livro caiu das minhas mãos, tal a densidade das mentiras. Pesou em especial a afirmativa do autor, largada com chocante e emplumado cinismo, de que todo o texto “é a expressão lídima da Verdade”. E mais: que não se arredou “sequer um milímetro dos acontecimentos que, no dia a dia, foram compondo a vida singular do grande medianeiro!” No arremate da apresentação (p. 12), ainda sensaciona com jactância corajosa: “estou plenamente convicto de que não traí a confiança do amigo e companheiro”.
Vamos, a priori, sumariar a contestação: 1 - Não é a expressão da lídima Verdade; 2 - Ficou a anos-luz de distância de alguns episódios; 3 - Traiu, sim, a confiança e a memória do ex-amigo, antes e depois da desencarnação.
Anotemos, desde logo, que a chorumela tem a pretensão de ser “a biografia mais completa”, no entanto, além de ignorar vários acontecimentos íntimos que marcaram a vida do Chico, repete outros tantos do mais amplo conhecimento público, que estão apenas requentados e oferecidos numa travessa de lugares-comuns. De inédito somente alguns registros de menor importância, sem grande novidade histórica e que às vezes atestam que o biógrafo não sabe o que diz, imagina sem pudor e acaba tisnando a imagem do Chico.
E para antecipar que não está preocupado com os flagrantes que alguém pudesse assinalar das derrapadas históricas, afirma, com certo desdém, na mesma página 12: “O resto não me interessa.” É pena, porque é principalmente no resto que está a parte mais gritante das falsidades.
A reposição completa de toda a verdade vou adiar, pois demanda espaço bem maior deste que, no momento, pretendo preencher com questões urgentes e gravemente adulteradas, como a do Prêmio Nobel da Paz e da carta de 1962. No embalo da mesma insensatez, Carlos Baccelli desta vez resolveu também me atingir, quando menos de raspão, ao comentar o caso das materializações de Uberaba (pp. 247 a 266), de que fui um dos protagonistas. Tratarei desse assunto noutra oportunidade. Aqui adianto apenas que a responsabilidade pelo tal pagamento a que se refere está lançada no livro em paranóico texto e, pois, com indecorosa leviandade. Mas – prometo – fica isso para outra ocasião.
O livro não consegue ser a biografia sequer da Gata Borralheira, mas tão somente a autobiografia de um nefelibata perdido entre nuvens escuras de tempestuosa farsa, que vem arrematar fantasias já antes costuradas, como as de Chico Xavier Responde (Edições Pedro Paulo), onde reproduz “entrevista” do querido médium concedida nos céus da espiritualidade (?!). Todo esse papel impresso vem juntar-se à subliteratura contida em mais outras obras, assinadas por nomes respeitáveis, como Ignácio Ferreira, que acaba de fazer, em Nosso Lar, pós-graduação em obstetrícia ectoplasmática e já inaugurou na terra a função de blogueiro do Além. Estudiosos sérios, como José Passini, já dissecaram alguns desses trabalhos ditos mediúnicos evidenciando sua completa dissonância com a doutrina codificada por Allan Kardec. A entrevista com André Luiz na espiritualidade identificando-se como Carlos Chagas é outro relato risível, na contramão de todas as provas do meu livro O Verdadeiro André Luiz. Somente espíritas muito toscos ou muito desinformados são ainda capazes de lhes aceitar o psicodélico conteúdo. É toda uma editoração fantasiosa, patética, acaciana e absolutamente aquém do bom-senso, a qual apenas serve para fazer dinheiro e, impressa a rodo, dar mais trabalho à Comlurb aqui do Rio.
Naquele Chico Xavier Responde, também com intenções biográficas, os registros colocados na boca do Chico sobre variados e importantes assuntos expõem inusitada displicência em tom de quem parece falar de abobrinhas, paçoquinhas e picolés. É total a falta de profundidade diante de questões ponderosas e tão complexas. A certa altura, ele é perguntado se era rustenista, e então nega secamente. Ora, todo o movimento espírita sabe de sobejo que o Chico sempre foi e nunca deixara de ser a favor de Roustaing. Mesmo os irascíveis adversários do missionário de Bordeaux reconheciam esse posicionamento do Chico, que tentavam e tentam justificar até hoje com o fato de que Emmanuel havia sido católico no passado (padre Manoel da Nóbrega) e, como tal, estaria ainda fixado nas ideias católicas, as mesmas que alegam existir em Os Quatro Evangelhos, de J.-B. Roustaing (conclusão viciada, pois Roustaing critica acidamente a Igreja e o catolicismo, além do que a Igreja perseguiu e exterminou os cátaros, que pregavam o corpo fluídico de Jesus). Assim – concluem –, Chico Xavier também gostava de Roustaing por influência do seu mentor e guardava igualmente ranço católico, com seus santinhos, etc. Em contrapartida, em meu livro Os Adeptos de Roustaing(AEEV, 1993), com uma extensa relação de adeptos ao lado das fontes para consulta, Emmanuel e Francisco Cândido Xavier aparecem em oito páginas (Chico Xavier: “Roustaing colocou Jesus no seu verdadeiro lugar”). Postas de lado as justificativas dos antirrustenistas, só restaria a vesgueira e o fanatismo para não se reconhecer que o Chico era adepto de Roustaing. Basta, pois, essa estupenda rata para evidenciar que a resposta no livro do Baccelli é ficção.
Depois, nesse mesmo padrão de absurdidade, temos outras respostas que somente alguém com muita desconsideração do Chico poderia fabricar. É exemplo a cômica pergunta sobre se ele é realmente Allan Kardec. Aflito para apresentar alguma confirmação à ilógica tese que defende, Carlos Baccelli não se pejou de atribuir ao Chico a autoidentificação que, encarnado, o honesto médium negou resolutamente. Daí que inventou a entrevista espiritual porque sabe muito bem que seus leitores são crédulos o suficiente para bater palmas extasiados. Por isso mesmo, nas páginas finais do livro biográfico insiste na enfadonha e totalmente infundada brincadeira. Ademais, existe ainda o testemunho do Arnaldo Rocha, este, sim, verdadeiro amigo íntimo de Chico Xavier. E, acima de tudo, temos os perfis psicológicos de Kardec e do Chico. O primeiro é de vigoroso conhecimento universalista; o segundo é de suspirosa sensibilidade maternal. Além do mais, como expus em matéria distribuída pela internet, em 1.11.03, o próprio Baccelli sempre soube que a identificação nunca foi autenticada, pois ele mesmo transcreveu em A Flama Espírita, de Uberaba, MG, de novembro de 1994, matéria de O Diário da Manhã, de Goiânia, GO, de 28.8.1988, em que o Chico nega peremptório: “– Não, não sou. Digo isto com serenidade.”
E nada mais surpreende. Esse repórter já entrevistou todo mundo de prestígio celestial. Nessa pauta de entrevistas sensacionais, não vai demorar e ele estará entrevistando Papai Noel e, dado ainda o mês de dezembro, teremos Jesus esclarecendo se o parto de Maria foi mesmo em Belém ou nas manjedouras da espiritualidade, onde agora reencarnam espíritos.
Em resumo: o livro da entrevista e o dos 100 anos são destituídos da mais mínima credibilidade, por isso mesmo de fácil confutação. Trucando infantilmente para uma plateia pediátrica, com tinturas chamativas de umcartoon, Carlos Baccelli só serve à sua patota linguelingues e pirulitos, que desidentificam a seriedade de Francisco Cândido Xavier. Basta comparar tais respostas com as que o respeitado e generoso médium deu, por exemplo, no Pinga-Fogo e em diversas outras ocasiões. Comparem-se o nível, o tom, o léxico, a sabedoria, abstração, naturalmente, da inteligente diferença nos momentos em que o elegante humor cabia. Impossível a autenticação. Tudo prestidigitado por esse Mandrake tupiniquim da psicografia, tortuoso artista clonado de um trêfego padre espanhol que ainda vive até hoje por aí fazendo mágica e dizendo que é espiritismo...
Bem, entremos nos capítulos que por agora nos interessam mais de perto: “Indicado ao ‘Nobel da Paz’” e “A carta de 1962”, duas peças que poderiam até ser dignas de A Comédia dos Erros, de Shakespeare, se apenas se restringissem a fazer gargalhar e terminar com todos felizes, mas, no entanto, são bem mais dignas de Hamlet, como ainda veremos aqui, pelo que têm de incoerência e morbidez.
Sigamos. O capítulo “Indicado ao ‘Nobel da Paz’” (pp. 343 a 354) é um repertório de inverdades e deturpações, apenas explicado pela raiva que o Carlos Baccelli guarda de Divaldo Pereira Franco. Esse sentimento não lhe permitiu registrar a cristalina verdade de que foi o conferencista e grande tribuno baiano quem lançou a campanha pela indicação de Francisco Cândido Xavier à premiação, em 1981, do Prêmio Nobel da Paz. A omissão é gritante e de inveja rasteira.
O deputado federal paulista Freitas Nobre foi quem alavancou a campanha junto ao público e às pessoas responsáveis, em Oslo, pelo referendo à indicação. Isto é verdadeiro. E promoveu, com o empresário Celso Gusmão, também de São Paulo, o tour de force que culminou na seleção de quase duzentos livros em várias línguas e diversos outros materiais encaminhados ao Instituto Nobel através da Comissão Nacional Pró-Indicação. A imprensa da época noticiou que a petição tinha a adesão de dois milhões de assinaturas de várias partes do mundo. (Para não deixar de ser sincero, fui informado, na ocasião, por colegas jornalistas, que esse número estava simpaticamente inflacionado. Mas, tudo bem. A rigor, o Chico, com mais tempo, arrebanharia tranquilamente até mesmo mais de dois milhões.)
Afinal, em 14 de outubro daquele ano, a Comissão de Oslo preferiu indicar ao prêmio, pelo grande esforço desenvolvido principalmente no Afeganistão, na Etiópia e no Vietnã, o Escritório do Alto Comando da Organização das Nações Unidas para os Refugiados
Achei – e repito – que a indicação foi absolutamente justa e o próprio Chico assim a considerou, divulgando então um belo texto de grande humildade e endosso à escolha. No mais, as indicações de Oslo, nessa área da luta pela paz mundial, sempre tiveram um componente muito forte de cunho político auspiciado pelo espírito da ONU.
Adiante, sem parar, na mesma alucinada atrelagem, mais respostas vão confirmando a falta de respeito à verdade e à memória do próprio Chico. Tão cioso dos valores históricos, Carlos Baccelli não conseguiu superar a idiossincrasia e omitiu o que ele sabia muito bem. Todo o movimento espírita sabia e sabe que foi o Divaldo quem propôs o nome do Chico, aliás, numa reunião pública, com centenas de ouvintes, dentre tantos Francisco Cândido Xavier e o próprio Carlos Antônio Baccelli. É deveras muita impudência divulgar qualquer versão em que se esconda o nome do Divaldo. Aconteceu em 1994, durante conferência feita pelo medianeiro de Joanna de Ângelis no Uberaba Tênis Clube, durante a qual o Baccelli lançou seu livroDivaldo Franco em Uberaba, editado pela Maio Editora. Naquele dia e naquele momento, o Chico narrou a história “Os irmãos do Arco-Íris”, que o Baccelli transcreve no seu livro À Sombra do Abacateiro. Foi exatamente ali, naquela hora, que Divaldo Pereira Franco lançou o nome do Chico. Carlos Baccelli a tudo presenciou, mas parece que está atacado por conveniente amnésia.
Honesto foi o Augusto César Vannucci, filho do César Augusto Vannucci, da TV Globo, que, narrando os trabalhos do pai nas áreas do teatro e da televisão, em seu livro De Ave César a Ave Cristo, abordou a questão do Prêmio Nobel. Registrou, então, referindo-se ao pai (pp. 30 e 31):
“Mesmo depois de deixar a direção do ‘Fantástico’, consegue de José Itamar, o novo diretor, apoio para uma campanha lançando Chico Xavier ao Prêmio Nobel da Paz. O Brasil e o mundo participaram dessa campanha. Houve apoio de gente de todas as religiões. Assinaturas de católicos, protestantes, umbandistas. Ainda que pareça incrível, as restrições partiram somente de algumas instituições espíritas, por acharem que a campanha poderia envaidecer o médium de Uberaba. O mentor de todo o movimento foi, na verdade, Divaldo Franco.”
E foi o Divaldo quem insistiu com o filho Augusto para que instasse junto ao pai César Vannucci no sentido de que turbinasse a campanha por todos os meios, principalmente pelo poderoso caminho da televisão.
Ora, o mutilado texto constante do seu livro, Carlos Baccelli o retirou da mesma gravação que eu também tenho em meus arquivos, tanto na fita cassete original como na cópia que fiz em DVD. Ouviu, portanto, pela segunda vez (a primeira foi ao vivo, quando ele mesmo esteve presente na reunião) o próprio Chico reconhecer o papel do Divaldo no lançamento da campanha; contudo, não teve enfibratura no mínimo ética de contar a verdade nessa biografia capenga dos 100 anos do Chico. Ante um ato hostil de tal natureza é possível medir o tamanho espiritual desse “médium”, que se jacta de escrever uma biografia “a mais completa”.
Enfim, dou como demonstrado que a história da campanha pelo prêmio Nobel da Paz está deturpada, distorcida, com plena consciência do Baccelli de que falo a verdade. E vamos, a partir daqui, analisar o capítulo mais deplorável: “A carta de 1962” (pp. 271 a 281).
À guisa de fidelidade à História, o autor entra em excitação polarizada e estampa a carta que, em 1962, Francisco Cândido Xavier escreveu para o amigo Joaquim Alves (o Jô), carta que foi o leitmotive da publicação do meu livro A Anti-História das Mensagens Co-piadas (Leymarie, 2006). Nele, abordei todas as implicações do estranho documento, que desafetos do médium Divaldo Pereira Franco levaram para o programa “Fantástico”, da TV Globo, em 29 de fevereiro de 2004, e, depois, apareceu na internet como um troféu de formidável pesquisa arqueológica. Como já disse na abertura desta matéria, analisei o momento histórico do mundo e do movimento espírita, e narrei tudo o que ocorreu nos bastidores da crise. A latere, demonstrei, com base em referências técnicas e doutrinárias, que não existiu plágio nenhum e que a carta, o papel do Chico e tudo o mais era fruto de uma época terrível (a turbulenta década de 60) na evolução do nosso planeta, quando as Trevas se aproveitaram da louca desorientação em voga para atacar o espiritismo e os dois maiores médiuns da ocasião. Mostrei que o Chico fora induzido a uma atitude completamente estranha à sua índole, tanto que, logo depois, arrependeu-se, reaproximou-se do Divaldo e com ele manteve até à desencarnação relacionamento fraternal, muito ao contrário do apócrifo diálogo narrado pelo Baccelli. Nada omiti daqueles idos, principalmente no que concernia ao importante papel da Federação Espírita Brasileira, ao tempo áureo em que Antônio Wantuil de Freitas e Armando de Oliveira Assis presidiram à respeitada instituição.
Diferentemente de Carlos Antônio Baccelli, que em momento algum aparece no cenário dos acontecimentos, acompanhei de perto todos os lances daquele lastimável episódio repleno de ódios e maquiavelismos. No entanto, ele acha que tem algum peso a pergunta que diz ter feito ao Chico sobre a crise e que está na página 271:
“Certa vez, pessoalmente, lhe perguntei:
- Chico, é verdade que você pediu perdão pelo episódio se 1962?...
- Quem lhe disse isso, meu filho?
- O nosso irmão...
- Não é verdade, meu filho, não é verdade! – respondeu, dando o assunto por encerrado.”
Esse “diálogo” com o Chico, inventado, atoleimado, burlesco, está em radical desacordo com o temperamento bonançoso do Chico e serve apenas para deixá-lo em grande descompasso com sua real e autêntica biografia. Nesse ponto, o “médium” Carlos Baccelli se supera em termos de abuso. Maldosamente, aplica reticências no nome do irmão para fingir uma ética que não possui, pois, com a leitura da carta que republicou, logo fica claro a quem quer se referir. Esse capítulo nada vale para ilustrar a biografia de Chico Xavier, mas com certeza vale tudo para avalizar negativamente a biografia do próprio autor. É um capítulo nauseabundo, de que o Chico não se compraz, escrito por alguém que lhe traiu a confiança e a quem fechou as portas da sua casa. Mas é também um capítulo precioso para marcar com exação quais foram as reais intenções do malogrado biógrafo.
Ainda na página 271, diz o chanchadeiro prócer da mediunidade que esse caso provocou no Chico “até o término de sua abençoada tarefa na Terra, em 2002, sérios aborrecimentos e dissabores”. Não! O que lhe causou sérios aborrecimentos e dissabores foi o que lhe fez o falso amigo, isto sim, bem grave, pois que nem a bondade cristã do Chico foi capaz de superar para perdoar. Mesma dificuldade que a missionária Joanna d’Arc confessou em relação ao rei Charles VII, que a traiu (“Foi aquele a quem tive mais dificuldade de perdoar”). E afirmar, como Baccelli o faz, que até desencarnar prevaleceu no Chico a opinião de que o Divaldo era mesmo um plagiador (p. citada) é tachar o Chico de hipócrita. Os fatos que narro em meu livro A Anti-História das Mensagens Co-piadasevidenciam que o episódio ficou completamente esquecido, tanto que eles voltaram a estar juntos, participaram juntos de reuniões e até mensagens mediúnicas receberam juntos, aparecidas em livro mediúnico do Divaldo. Francisco Cândido Xavier chorou muito, arrependido. Pediu ao Wantuil que recolhesse as cópias das cartas distribuídas (detalhes no meu livro acima indicado). Reconciliaram-se. Houvera pedido reserva, no final da carta, a fim de que não fosse lida indistintamente. Não obstante, exibiram-na escandalosamente na televisão e agora o “muito amigo” Carlos Baccelli também não lhe atendeu a recomendação e fez a divulgação em livro! E o faz quando o Chico nem está mais por aqui para apresentar algum comentário. (Descartada, é claro, a hipótese esquizofrênica de o Baccelli “receber” o Chico, em mais uma mistificação, e o espírito venha dizer que está feliz com a reedição do escândalo.) No mais, o Chico a rigor nada tinha para perdoar ao Divaldo. Perdoou, com certeza, àqueles que foram o motivo das suas lágrimas junto ao presidente da FEB.
Ou o Chico não passou de um grande tartufo, ou a afirmativa do Carlos Baccelli de que até a desencarnação o Chico ficara aborrecido é mais uma mentira cheia de caruncho. E se o Chico foi tão falso até àquele ponto, fingindo estar tudo bem entre os dois, cabe indagar por que não agiu da mesma forma com ele, Baccelli? Guardaria no íntimo toda a sua tristeza, mas voltaria a lhe abrir as portas. Se era para ser hipócrita, teria sido nos dois casos.
Súbito, vem esse biógrafo suspicaz e – repitamos para acentuar bem o gesto – resolve promover a exumação da carta, soerguendo agora o pendão da reabertura da crise. Com isso, “a biografia mais completa”, nesse ponto, comete excessos extenuantes e se consagra à margem da ética e da lealdade. Da minha parte, ao repassar todos os minuciosos detalhes do acontecimento, tive o zelo de não divulgar o documento em respeito ao desejo do autor. E fui por isso bastante cobrado. Se me propusera fazer completo levantamento histórico, como justificar que houvesse omitido para o leitor o documento principal? Inobstante, a cobrança foi injusta. Eu não poderia ter outro comportamento. Se critiquei a atitude dos que foram para a televisão fazer a divulgação, como incorrer no mesmo erro? Como dizer-me amigo do Chico e não atender ao seu apelo? Mais ainda quando tudo já estava superado, esquecido, morto. A divulgação, é claro, um dia aconteceria, no tempo histórico certo. Mas era de se esperar que o agente da divulgação não fosse ninguém ligado diretamente ao Chico e dentro de contexto em que todos os envolvidos já estivessem há alguns anos desencarnados. Posto assim, como poderia eu fazer a divulgação? Não seria sincero, nem decente. Estaria ulcerando o bom-senso dos homens de bem.
Da realidade das causas
Mas, tudo se entende se a gente entender que o Baccelli está mais uma vez liberando seu instinto raivoso, agora com esgares muito mais característicos. Por quê? Qual a causa? Que motivação faz desencadear esse comportamento e essa tortuosa personalidade? É o que veremos. Já expliquei as razões que moveram os adversários do Divaldo e do espiritismo, na década de 60, a dispararem o sinistro processo. Daqui deste ponto em diante, vou analisar, a título de remate, o que verdadeiramente levou o Carlos Baccelli a decidir reeditar o escândalo na ressurreição da malsinada carta, depois de maquinar entrevistas no Além, de repaginar a leitura do Prêmio Nobel e de insistir na sandice de que o Chico é o Allan Kardec. Todo esse quadro tem uma causa profunda. Dolorosa. Rascante. Conheceremos a gênese desse comportamento, sua fundamentação, seus objetivos. Para isso, vamos adentrar um pouco a psicanálise.
Ao elaborar a arquitetura da teoria psicanalítica, Freud foi buscar na mitologia grega, dentre outros referenciais, explicações que pudessem fundamentar a influência dos mitos no comportamento da alma humana. Na remissão dessa justificativa, ele estudou modelos diversos, mas se deteve, com especial atenção, na personagem de Hamlet, príncipe da Dinamarca, criada no século XVII por William Shakespeare, gênio da literatura inglesa que ele também analisa, como analisou a si próprio. É no drama de Hamlet que Sigmund Freud vai carpintejar as estruturas do Complexo de Édipo, quadro incestuoso em que a oculta atração pela mãe leva o príncipe da Dinamarca a matar o tio para vingar o assassinato de seu pai. (Similares circunstâncias estão no crime profético de Édipo Rei, que mata o próprio pai e se casa com a mãe.)
É, pois, na tragédia hamletiana que está retratado o maior modelo do Complexo de Édipo, que deu azo a excelentes e variegados estudos de interpretação lucubrados pelos fieis continuadores de Freud. Um dos textos que mais aprecio é assinado por Jacques Lacan, rigoroso seguidor do mestre austríaco, e que foi apresentado em seminário (Les Séminaires – D’un Autre à l’Autre, Livre XVI), na década de 50, publicado em parte aqui no Brasil sob o título O Desejo e sua Interpretação – Hamlet por Lacan, tradução de Cláudia Berliner (Escuta-Liubliú, Campinas, SP, 1986). O ódio e a vingança de Hamlet estão associados, na análise psicanalítica, ao texto de Sófocles, autor heleno da tragédia de Édipo Rei, e ao de Dostoievski, autor de Os Irmãos Karamasov. Sendo Hamlet a peça mais enigmática de Shakespeare, por isso mesmo, talvez, é nela que Freud foi buscar a essencialidade comportamental do psiquismo humano.
Já desde A Interpretação dos Sonhos, de 1899, Sigmund Freud plotava o Complexo de Édipo no fulcro máximo do id (o inconsciente), onde espumam os desejos mais recônditos da alma. No fundo, além da problemática sexual e do ciúme que leva ao parricídio, essas três obras-primas de Shakespeare, de Sófocles e de Dostoievski revelam, na trama, o sentimento de vingança, resultante em última análise do conflito interior dos indivíduos em crise. O próprio Freud localiza em si mesmo esse conflito, que é ponto de partida de seus estudos: inconscientemente apaixonado pela mãe, recalca o ciúme do pai, a quem desejaria matar. Esse drama está mais que nunca reprimido nas camadas abissais da psique de Hamlet, que Freud vai mostrar como emergiu. “To be or not to be, that’s the question” – essa dúvida terrível (a mesma que deveria existir em Shakespeare) se resume na hesitante vontade de se vingar do tio, que matou seu pai para lhe usurpar o trono (cujo fantasma lhe exigia vingança), mas, atento aos crimes que ele próprio já perpetrara (Rosenkranz e Guildenstern, culminando com a morte de Laerte), Hamlet vive o tormento da dúvida. Em sua histeria – a conclusão é de Freud – Hamlet está incontrolavelmente perturbado e tanto odeia quanto duvida, tanto duvida quanto deseja, tanto deseja quanto se culpa.
O destino de Hamlet, porém, irá cumprir-se quase à semelhança de Édipo Rei que, empurrado para o crime pelo poder do inconsciente, mata sem saber o pai e se casa com a própria mãe, materializando o desejo da infância e com o que se cumpre a profecia do Oráculo. A tragédia está muito bem analisada por Jacques Lacan. Hamlet hesita porque sabe que ele mesmo faria a mesma coisa que o tio fizera, porque sabe que ele é tão canalha quanto o tio-padrasto. Mas nada impede, afinal, que o inconsciente perpetre o crime terrível. Depois, ele abandona a noiva Ofélia, que enlouquece e se afoga, e mata o tio para afinal ver consumada a vingança; mas, no fundo, queima-lhe as entranhas o ciúme, porque o tio está tendo relações com a mãe. É o corolário trágico do desejo, do ciúme, da vingança.
Carlos Antônio Baccelli revive o drama maldito e, se não copia todas as nuances do enredo de Hamlet e Sófocles, avança no desejo de “matar” a quem o repudiou e que era ao mesmo tempo o médium inigualável que gostaria de ser e jamais conseguiu; ou, quando menos, consagrar-se como seu continuador. Chico Xavier foi o homem que lhe fechou as portas de casa. Cheio de mesuras, de loas, de salamaleques, de agrados póstumos, ei-lo que, ao mesmo tempo, vem fazendo a única coisa que aparentemente lhe sossega o espírito invadido pelo ímpeto da vingança: deixar o Chico em situação ridícula, desacreditado. Ao endossar que Chico é Kardec está desejando desmoralizar definitivamente o querido médium de Pedro Leopoldo e Uberaba, que nunca quis ser senão “a pulga na juba do leão”. Carlos Baccelli tinha o Chico como pai. Admirava-o, mas lhe tinha ciúme do prestigio e do mediunato, do número de livros psicografados, todos de pleno sucesso. Quando não é perdoado, seu superego não resiste e, iconoclasta, ele “mata” a imagem do Chico, publicando a carta e espalhando que ele é Allan Kardec. Acontece que depois da vendetta (sem alusão a sobrenomes...), sobrevêm-lhe o remorso e a culpa, que ele precisava remir, purgar. Daí que o delírio maquinado para desmoralizar transformou-se em crença íntima, que passou a defender fanaticamente para alívio e consolo, à conta de textos degenerados por uma prosa de telenovela.
Essa história de que Chico foi Kardec não é invenção do Carlos Baccelli, pois já vinha de mais atrás. Ranieri parece que foi o primeiro, senão um dos primeiros a imaginar a identificação do Chico como Kardec (Chico Xavier – O Santo dos Nossos Dias. R.A. Ranieri). Mas a invenção já estava um tanto sepultada quando Carlos Baccelli lhe dá a oxigenação atual, valendo-se da condição de “amigo íntimo” e de portador de mediunidade, conquanto significativamente suspeita para quem conhece bem o assunto. Se por um lado a identificação ampliaria o cacife de Chico Xavier, por outro lado, de tão absurda que é, ganhou o repúdio dos estudiosos sérios e atinge a imagem do humilde médium, que nunca admitiu a bajulação nem se interessou pelo quanto valia junto ao mundo.
A intenção edipiana atinge a tensão máxima quando está feita a republicação da carta de 1962. Calos Baccelli, o herdeiro que gostaria de ter sido, está estomagado, até hoje, e com muita raiva, talvez ódio, porque Francisco Cândido Xavier rompeu com ele a amizade e não quis mais recebê-lo em seu lar. É este o motivo fatal. Divulgaram-se as cartas em que ele implora para voltar a ser recebido e a recusa do Chico. O rei ficou nu. Nosso Chico, a seu turno, tinha todos os motivos para não ceder, estava profundamente magoado e, naquele tempo, sofria tanto que, em meu nome e em nome do Grupo dos Oito, mandei entregar-lhe, em mãos, pela nossa amiga comum Leda Pereira Rocha, uma carta de solidariedade à sua dor, marcada pela decepção estrondosa. A resposta foi gemida...
Esse era o quadro em Uberaba, à época do rompimento, e essas são as razões por que Carlos Antônio Baccelli recupera a carta nas páginas 272 a 281 da “mais completa biografia”, sob a justificativa de respeito “ao seu valor histórico-doutrinário”. Miserável justificativa!... Não, não se trata de respeito histórico. Carlos Baccelli agiu pelas razões odiosas que venho expondo. A questão, pois, nada tem de valor acadêmico, mas de cunho puramente pessoal e psicanalítico.
Aproximemo-nos um pouco mais das camadas profundas do inconsciente do biógrafo, para lhe penetrarmos no underground das intenções. Francisco Cândido Xavier e Divaldo Pereira Franco são os dois maiores e mais acreditados médiuns do mundo. Além disso – eis aqui mais um dado de capital significação – Divaldo Franco vinha sendo intérprete da espiritualidade superior de mensagens de advertência contra essas páginas e obras empapadas de ideias bizarras, situações absurdas, existência de modernizados infernos, de novos demônios, dragões, relatos de metempsicose, etc. Carlos Antônio Baccelli, se não conseguiu ser um verdadeiro continuador do Chico (aspiração suprema!), almejou e ainda almeja pelo menos a posição de prestígio do também Divaldo-rival. Assim, sem possuir as expressões da mesma faculdade e sem conhecimento doutrinário para sustentar suas teses loucas, foi aos poucos construindo a revolta, a intolerância, o plano diabólico, tonificado pelas tramas do inconsciente poderoso. Assume então versões maldosas que possam esvaziar, neutralizar Divaldo Pereira Franco, minimizá-lo diante do movimento espírita, arrumando a seu modo, com desvios e omissões, tramoias de repercussão, como a narrativa capenga do Prêmio Nobel da Paz e, notadamente, a exumação da carta de 1962. Neste caso da carta, seu inconsciente aproveita também para consolidar a vingança contra aquele “pai” que não quis coonestar seu comportamento particular, que rompeu o convívio e que não aceitou seu pedido para voltar a frequentar-lhe a intimidade. Como acontece nos casos freudianos da chamada reação defensiva, exibe para o público e para ele mesmo um sentimento diametralmente contrário àquele que lhe mora de fato na alma e se esconde nas furnas do id. Jura a mais estreme admiração, exagerados amores ao mito que lhe faz sombra para provar a si mesmo que é de verdade uma alma bondosa e amiga; porém, no mesmo impulso de insopitável iracúndia, solta a carta que o Chico fez questão de esquecer.
Carlos Baccelli inverte as emoções e, no seu livro, inventa que o Chico nunca perdoou o Divaldo, quando, na verdade, ele, Baccelli, é que nunca foi perdoado pelo Chico. Depois da gorda intrigalhada, o Chico voltou a receber o Divaldo em sua casa, acesso que negou ao Baccelli. Ora, a qual dos dois o Chico Xavier não perdoou? Sabendo-se, portanto, não perdoado, abriu as portas do inconsciente.
O rompimento com o Carlos Baccelli teve origem torpe e podem todos imaginar em que intensidade, pois o coração do Chico sempre foi propenso ao amor e ao perdão, mas, naquele caso, não conseguiu superar o desgosto. Se, na carta de 62, induzido pelo clima à sua volta, criticou o Divaldo, mais adiante, porém, os dois estavam novamente unidos e, juntos, labutando pela doutrina, tanto nas tribunas como nas obras que foram lançadas. É que o Chico, no íntimo, não deixou jamais de amar o amigo, sobre quem a intriga dos alcoviteiros fez que as mãos escrevessem o que o coração não desejava, tanto que, arrependido, pediu fossem as cópias recolhidas. Seu desejo óbvio é que nunca mais aludissem a essa carta intempestiva e demolidora. No entanto, em relação ao Baccelli, o Chico não voltou atrás e desencarnou mantendo a decisão de não mais receber o ex-amigo, ainda que este tentasse a reaproximação. Foram sete anos de definitivo afastamento. Baccelli inclusive choramingou que “não sabia o que pudesse ter feito”; ora, sabia muito bem. Se eu sabia, como é que ele não saberia? Foi, pois, a ele que o Chico não perdoou e não ao Divaldo, conquanto ao Divaldo nada tivesse a perdoar.
Freud chamou a esse comportamento deprojeção, aquele que transfere para o outro sua própria maneira de agir. Carlos Baccelli se vinga do Divaldo, médium de mensagens de censura às dele, e se vinga do Chico que o expulsou da sua vida. Carlos Baccelli se vinga dos dois e “mata” o Chico com ciúme do reatamento deles.
Foi crescente a exacerbação do sentimento de vingança, que depois recrudesce quando o Jornal da Manhã, de Uberaba, de 5.7.1997, estampou fac-símile da sua carta ao lado da firme resposta manuscritada pelo Chico. Essa troca de correspondência já havia sido inserida na obra de Luciano Napoleão da Costa e Silva, Novíssimas Revelações do Nosso Amigo Chico Xavier (Editora Alf, pp. 171 a 173) e eu também a distribuí pela internet, com o que o Baccelli esticou sua ira e me tentou atingir também, com o capítulo das materializações de Uberaba. Carlos Baccelli estava, pois, publicamente desmoralizado e, ao mesmo tempo, indignado com a intransigência do Chico. Não sendo mais recebido desde 1996, suasombra (como definiria Jung), disfarçada numapersona amorosa e muito grata, armou a vingança cruel. Ela, como já disse, veio sendo pouco a pouco desenhada, a começar pelo livroChico Xavier Responde, em que a figura do Chico aparece como um debiloide, respondendo sem coerência e sem inteligência às perguntas que o autor diz ter feito e cujas respostas urdiu com fantástica desenvoltura, tudo aflorado do seu próprio inconsciente.
Ainda um último apêndice. Segundo a teoria freudiana, existe um componente poderosíssimo e fundamental nas forças inconscientes que comandam as ações do psiquismo humano e que estão presentes em todos os atos, desde o nascimento à desencarnação. É claro que, como espírita, faço restrições a essa universalização de coercitiva influência, me parecendo mais correta, nesse ponto, a colocação de Carl Jung. Mas é bem verdade que a psicanálise freudiana assim prescreve. É sim.
Nesse livro dos 100 anos – repiso para uma indagação que não cala –, o Baccelli teatraliza a preocupação de atender a um dever histórico; porém, é estranho que esse mesmo dever não o tenha levado a incluir a carta que ele mesmo datilografou e a resposta manuscrita do Chico.
Enfim, essa é a realidade em torno de um relacionamento que poderia ter sido maravilhoso se não acontecesse o esgotamento da paciência evangélica do Chico, que não estava mais disposto a suportar atitudes antidoutrinárias por parte de quem se dizia fiel e espírita e que acabou apologizando o absurdo em todos os sentidos.
Bem, encerremos esse estudo. Irei fazê-lo com foco no sentimento de vingança, que tanto atormenta as criaturas na terra. Nascido no imo da alma, regra geral ele não sacia a vontade do vingador. Daí que costuma se estender além da desencarnação e prossegue na espiritualidade aumentando dívidas e não aliviando a vítima. Pode persistir em nova existência, pois o sentimento de vingança exige incessantemente que o alvejado esteja cada vez mais esmagado. Só o verdadeiro arrependimento, o verdadeiro perdão, o verdadeiro amor mudarão o status quo.
Tomemos, como palavras finais, as de Joanna de Ângelis, em mensagem sobre a vingança, no livro psicografado por Divaldo Pereira Franco, Triunfo Pessoal (Leal, 2010):
“A vingança é transtorno neurótico soez, que liberta do inconsciente as forças desordenadas aí adormecidas, irrompendo com ferocidade e ligeireza sob o estímulo do combate ao inimigo. É curioso notar que o inimigo não é aquele que se torna combatido, mas o inconsciente transfere dos seus arcanos a inferioridade do ser, que é inimigo do progresso, do bem, da ordem, para atirar noutrem, em fenômeno de projeção e que guarda internamente, detestando-o.
“Fixa-se no adversário com implacabilidade, e suas metas se reduzem a essa inglória batalha pela sua extinção, do que dependerá a sua liberdade, a partir desse momento.
“Aqueles que se apoiam em mecanismos vingativos sempre foram vítimas de repressão infantil e juvenil, sentiram-se desprezados pelo grupo social e transferem agora suas frustrações para quaisquer outros, desde que isso os transforme em pessoas portadoras de poder e ambiciosos dirigentes de qualquer coisa, em que a personalidade doentia passa a ser homenageada, fruindo de destaque, embora a conduta esquizóide, maneirosa, falsamente humilde ou pretensiosamente dominadora.
“O amor – que tudo fazem para não conseguir – igualmente lhes é muito valioso, embora reajam por desconfiança e ambivalência de conduta, gerando no enfermo um clima de simpatia e amizade, normalmente difícil de ser estruturada, em razão dos muitos tormentos que o avassalam.”
Estou fazendo esforço sincero para perdoar o Baccelli. Se não conseguir, talvez venha a procurar um psicanalista junguiano. Ou, com mais segurança e mais certeza, algum médium evangelizado para me dar passes e me ajudar a ser mais tolerante. Afinal, quem não precisa?
LUCIANO DOS ANJOS
Rio de Janeiro, 7.3.2011